Mariana Sanches

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Reportagem

Lula vai dar recados duros em primeira oportunidade diante de Trump no G7

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva desembarcará amanhã, em Calgary, no Canadá, para "dar a real" ao presidente americano Donald Trump e aos demais líderes do G7, o grupo de países mais industrializados do mundo.

É o que garantem auxiliares do presidente envolvidos diretamente na preparação dele para a primeira ocasião em que estará sentado numa mesma mesa que Trump. "Lula não vai nominar ninguém, mas os temas não serão varridos para debaixo do tapete", afirmou reservadamente uma fonte do Palácio do Planalto. "Ele terá que abordar grandes mensagens".

Convidado a falar duas vezes, por poucos minutos, sobre o tema da segurança energética, o presidente brasileiro e seus auxiliares consideram incontornável tratar da segurança do mundo como um todo e a necessidade da busca por mecanismos para garantia de estabilidade e paz.

Lula vai condenar guerras

O brasileiro deverá voltar a condenar as guerras na Ucrânia e em Gaza e não poderá deixar de mencionar o novo conflito entre Israel e Irã, iniciado poucos dias antes da abertura do encontro do G7 no Canadá.

Embora a posição de Trump sobre a Guerra na Ucrânia se aproxime do entendimento brasileiro de que uma vitória militar não é possível a nenhum dos lados e que a saída está em manter negociações diplomáticas de paz, os dois países discordam do tratamento dado à questão de Gaza. Enquanto Lula tem chamado de "genocídio" a atual ofensiva israelense na Faixa de Gaza e sua decisão de impedir o acesso de ajuda humanitária aos palestinos, Trump tem apoiado o plano de Benjamin Netanyahu de retirar os palestinos de suas terras e chegou até mesmo a propor a construção de uma espécie de "riviera do Oriente Médio" na área.

Transição energética em pauta

Além disso, Lula deverá repetir que os líderes globais precisam se comprometer com uma transição energética, não apenas para garantir a segurança do suprimento de energia como condições habitáveis para o planeta. O brasileiro pretende sair do G7 com o compromisso de que todos os líderes do G7 - menos Trump - de que comparecerão a Belém, para a COP30, que acontecerá em novembro. A ambição se estende para países convidados para o G7: África do Sul, Austrália, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Índia e México.

Negacionista climático, Trump se elegeu com o mote "Drill, baby, drill" ("Perfure, baby, perfure") e a promessa de intensificar a exploração de petróleo pelos EUA. Ele retirou subsídios para indústrias de economia mais limpa, como veículos elétricos e placas solares. E assim como fez em seu primeiro mandato, removeu os EUA do Acordo Climático de Paris. Em tal cenário, a presença de Trump na COP é considerada uma possibilidade absolutamente remota, tanto pela diplomacia brasileira, quanto pela americana.

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"Mas se houver um aperto de mão entre os dois, não duvido que Lula o convide pessoalmente para a COP", disse um dos auxiliares do presidente. Não há previsão de que ocorra qualquer reunião bilateral entre os dois líderes, nenhum dos lados solicitou oficialmente a reunião e não houve negociações diplomáticas para uma conversa entre ambos.

Mas, ao contrário do que aconteceu com o mandatário argentino Javier Milei, que já proferiu insultos pessoais contra Lula, em relação a Trump, o brasileiro "não tem má vontade sobre manter uma relação cordial entre chefes de Estado".

Zelensky pede bilateral com Lula

O espaço do G7 é visto como um território neutro, em que os líderes se apresentam em condição de igualdade e sem que suas conversas sejam televisionadas. Ambiente muito diferente de um encontro no salão oval da Casa Branca, em que Trump recentemente aproveitou as câmeras para submeter o líder ucraniano Volodymyr Zelensky e o sul-africano Cyril Ramaphosa a sessões de humilhação. Este auxiliar de Lula descreveu a situação como "ser convidado para a cova dos leões".

Zelensky, aliás, também participará do G7 no Canadá e pediu uma reunião bilateral com Lula, que deve acontecer, embora as agendas ainda estejam em negociação. O ucraniano quer pedir ao Brasil que reforce em todos os ambientes possíveis a necessidade de que a Ucrânia não seja excluída da construção de um processo de paz no conflito que a envolve.

Trata-se de uma inflexão importante em relação ao que acontecia no ano passado, quando a Ucrânia acusava o Brasil de privilegiar o lado russo ao discordar de negociações diplomáticas que não incluíssem a Rússia como parte da conversa.

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A ascensão de Trump ao poder mudou o cenário. O republicano, que não disfarça apreço pelo líder russo Vladimir Putin, tem tentado forçar um processo para a paz e chegou a suspender a ajuda militar e financeira que os EUA garantiam à Ucrânia. Depois da sessão de constrangimentos com Zelensky no salão Oval, em fevereiro, os ucranianos chegaram a temer ficar de fora da discussão sobre seu próprio território e passaram a usar até mesmo emissários, como o presidente francês Emmanuel Macron, para mudar sua relação com o Brasil. Não há, porém, qualquer possibilidade neste momento de que o Brasil participe do processo com tropas de paz em território ucraniano, como chegou a circular há alguns meses. Por enquanto, a diplomacia brasileira afirma que o melhor cenário é aquele em que russos e ucranianos continuem ficando frente a frente para negociar ao menos trocas de reféns, como vem acontecendo.

As ações de Donald Trump, que moveu sua máquina de tarifas para atingir o histórico aliado canadense, também moveram uma negociação estacionada há alguns anos. O premiê canadense Mark Carney pediu uma bilateral à Lula e a diplomacia brasileira vê a chance de retomar com os canadenses a negociação de um acordo comercial entre Canadá e Mercosul. As conversas tinham sido iniciadas ainda quando Justin Trudeau liderava os canadenses e o Brasil vê no modelo de acordo feito com a União Europeia espaço para tentar algo parecido com os canadenses.

Ameaçado não só pela tarifa mas até mesmo por declarações de desejo de anexação por Donald Trump, os canadenses tem buscado alternativas para diminuir sua dependência econômica e política em relação aos poderosos vizinhos. Dias antes do início do encontro, o anfitrião Carney afirmou que as tarifas de Trump criaram fissura na relação histórica entre os dois países e que "a predominância (dos EUA) no mundo é coisa do passado".

O encontro do G7 no Canadá, no ano em que o bloco completa meio centenário, está envolto em tensão. Nenhum grupo de aliados foi tão alvo das políticas tarifárias e da retórica beligerante de Trump quanto o grupo. Tanto assim que os canadenses deverão desistir da possibilidade de uma declaração conjunta final, para evitar constrangimentos e porque o consenso entre o grupo e os EUA em uma série de temas parece difícil. Mais provável é que cada líder faça uma declaração individual sobre os temas. O resultado, porém, é visto como um fracasso diplomático para este tipo de encontro.

Reportagem

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