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Marina sofreu linchamento político 30 anos antes dos ataques no Senado

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) foi vítima de agressões durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado. "Ponha-se no seu lugar", ordenou um senador, em vão. "A mulher merece respeito, a ministra, não", disse outro. Diante de tal tratamento, retirou-se sala.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

Marina foi senadora por 16 anos, conviveu com gente de variadas posições político-ideológicas, de Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho a Emília Fernandes e Pedro Simon. "Nós podíamos divergir, mas nunca vi nada dessa magnitude", ela constatou em entrevista ao podcast A Hora.

"Sei que o confronto tem componentes de machismo, racismo e misoginia. Mas sei também que é um ataque à agenda com a qual tenho compromisso de vida e de trabalho, seja em função pública, seja como cidadã."

O motivo pelo qual foi convidada a comparecer ao Senado nesta semana foi para debater a pavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. Marina foi acusada de impor obstáculos ao empreendimento, embora a obra não tenha avançado nos 15 anos em que ela esteve fora do Poder Executivo.

Não é de hoje que Marina enfrenta a ira de agentes políticos contrariados com sua luta pela preservação ambiental. Nem a primeira estrada que cruza seu caminho.

Quando assumiu o mandato de senadora pela primeira vez, em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), debatia-se a construção de uma estrada que ligava Rio Branco a Cruzeiro do Sul, segundo maior município do Acre.

Marina insistia na necessidade de se fazer estudos de impacto ambiental, licenciamento e respeito às unidades de conservação. E os políticos favoráveis ao empreendimento reduziam sua posição a uma simples e birrenta oposição.

O governador à época, Orleir Cameli, às tantas decidiu que faria a estrada, mesmo sem aval de órgãos ambientais. Começou a botar piche e fazer terraplanagem e anunciou: quem tocaria a obra seria a sua própria empreiteira. Não deu outra. O Ministério Público embargou o empreendimento.

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A bancada do Acre no Congresso, o governador e políticos locais imediatamente apontaram o dedo para Marina e a acusaram de ter embargado a obra. "Eu até poderia ter sugerido o embargo, mas o Ministério Público foi ágil e o fez antes", ela rememorou.
Mas ninguém queria ouvir o que ela tinha a dizer. Aliás, nem que quisessem -- "o governador baixou um decreto proibindo que me entrevistassem, exceto se fosse para falar de biodiversidade", contou.

Começou um levante contra a senadora em todo o estado. Políticos organizaram atos públicos em suas cidades. Em um deles, no Vale do Juruá, usaram uma boneca para representá-la e puseram na forca, em praça pública. Serviam bebida e churrasco para atrair a população e acusar Marina de querer impedir o trânsito dos moradores da região até a capital.

A campanha se intensificou a tal ponto que, em certo dia, um avião ia pousar em Cruzeiro do Sul e alguém disse que a senadora estava a bordo. Um grupo correu para a pista e tocou fogo, para impedir a aproximação da aeronave. Informação falsa —Marina não estava no avião.

Em um assentamento por perto, uma jovem Marina passou a ser agredida pela coincidência do nome e a senadora precisou intervir para removê-la de lá antes que fosse linchada.

Um jornalista, inconformado com a censura, decidiu entrevistar Marina ao vivo. Mas antes que o programa acabasse ele foi retirado às pressas da rádio porque um grupo de manifestantes queria invadir o estúdio e agredi-lo.

"Passei quatro anos sem poder praticamente andar em metade do meu estado", na região de municípios como Cruzeiro do Sul e Basileia, ela disse.

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"Mas se existe uma coisa que eu aprendi é que não tem que ser otimista nem pessimista, mas insistente. Eu sou persistente. A vida é persistência", afirmou Marina.

A estrada acabou sendo concluída no mandato do governador Jorge Vianna, sucessor de Cameli e aliado de Marina. A obra foi feita com os requisitos ambientais que ela exigia.

Marina, na época, assumiu o Ministério do Meio Ambiente pela primeira vez, no governo Lula. E curiosamente, ela contou: "Ninguém pedia prioridade para construir a estrada nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal). Grande parte perdeu interesse pela estrada, porque, como fizemos da forma certa, o discurso de que ia ser tudo preservado veio por terra. Porque não ia se poder fazer grilagem, desmatamento".

A estrada da discórdia atual, a BR de Manaus a Porto Velho, só por ter obtido licença prévia do Ibama, deflagrou degradação no entorno. Aumentou o desmatamento em 119% na região, mais grilagem, atividades ilícitas e violência nas comunidades locais, Marina lamentou.

Sua posição continua sendo a mesma. Que se construa respeitando os parâmetros legais e ambientais.

"Mas as pessoas querem viver de bodes expiatórios. Põem a culpa em alguém para pedir voto e ganhar a eleição", disse a ministra.
"Se eu pedir desculpas a Marina, não me elejo nem vereador", disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM), um dos que a atacou nesta semana.

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O atual governador do Acre, Gladson Cameli (PP), sobrinho do governador que acusou Marina de ter embargado a estrada de Cruzeiro do Sul, a elogiou.

"Atualmente, exercendo o segundo mandato de governador do Acre, tendo sido senador da República e deputado federal por dois mandatos, eu compreendo cada vez mais que a coragem, o conhecimento e a sabedoria da ministra Marina", declarou ao podcast A Hora.

"Quando meu tio foi governador, eu era adolescente, mas entendo que a intenção dele era desenvolver o Estado, uma vez que pavimentar a BR-364 era um grande anseio de uma população que amargava o isolamento e buscava desenvolvimento econômico e social do Vale do Juruá, distante cerca de 600 quilômetros da nossa capital, Rio Branco", afirmou Cameli.

"Hoje nós vivenciamos uma crise climática que afeta o planeta, e aqui no Acre não tem sido diferente. O fato é que todos os alertas e discursos que ela faz há décadas não são uma narrativa fantasiosa. Hoje é uma lamentável realidade, que exige de cada um de nós que sejamos responsáveis e comprometidos com o tempo que ainda nos resta como agentes essenciais na defesa da vida na Terra para esta e as próximas gerações."

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Claro (canal nº 549), Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64), Samsung TV Plus (canal nº 2074) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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