Raquel Landim

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Presidente do Google: jornalismo investigativo e humor correm risco no STF

O presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, está preocupado com o andamento do julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que será retomado na quarta-feira no Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista exclusiva ao UOL, ele afirma que, se prevalecer o entendimento de que as plataformas são responsáveis juridicamente pelo que os usuários publicam, o "ambiente vai ficar mais difícil de operar".

"As plataformas vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro", afirmou.

Coelho acrescenta que o jornalismo investigativo, o humor e a propaganda eleitoral estarão em "risco".

"Qualquer matéria de jornalismo investigativo poderia ser removida, porque algumas pessoas podem se sentir caluniadas", explica. "O humor também fica em risco, porque as plataformas teriam medo de aquele humor ser interpretado como verdade."

Até agora, três ministros do STF já votaram. O ministro Dias Toffoli estabeleceu a "responsabilização objetiva" das plataformas, modelo que não tem paralelo no mundo, pelo qual as empresas têm que remover conteúdos antes de serem acionadas pela Justiça, sob risco de multa. Ele foi acompanhado no seu voto pelo ministro Luiz Fux.

Já o ministro Luís Roberto Barroso fez um voto divergente em que mantém a responsabilização das empresas apenas após a decisão judicial, mas abre exceções para crimes graves nos quais a remoção das publicações tem que ser preventiva.

UOL: Se prevalecer no STF a obrigação de que as plataformas removam conteúdo sem necessidade de ordem judicial, o que vai mudar no dia a dia da internet do Brasil?

Fábio Coelho: O Brasil tem uma excelente legislação, criada desde a época do marco civil. Essa discussão sobre o artigo 19 é importante que ocorra, porque ele é essencial para balancear a liberdade de expressão com a responsabilização das partes.

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A gente apoia melhoramentos específicos e cirúrgicos no artigo 19. O importante é que qualquer mudança preserve o fundamento central: a Justiça, e não as plataformas, devem decidir sobre o que é ou não ilegal.

Sem esse fundamento básico, o ambiente vai ficar mais difícil de operar. As plataformas vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro.

O que pode acontecer é ter um processo de remoção muito mais abrangente, que nós não consideramos adequado. A gente vai ter que priorizar a proteção das próprias plataformas em detrimento da liberdade de expressão.

De forma prática, o que isso significa? Vocês vão criar um filtro específico para subida de conteúdo na internet? Vão derrubar lives?

Difícil dizer porque não sabemos qual seria a extensão da nova lei. Mas podemos falar em algumas consequências pontuais.

Qualquer matéria de jornalismo investigativo poderia ser removida, porque algumas pessoas argumentariam que a denúncia não está comprovada e que se sentem caluniadas. O jornalismo investigativo é muito importante para nossa democracia.

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Outro exemplo: humor, que é tão peculiar e característico da nossa cultura. O humor também fica vulnerável, porque as plataformas vão ficar com medo de aquele humor ser interpretado como verdade.

Conteúdo eleitoral também poderia ser removido, porque, durante as eleições, as plataformas são instadas a remover de tudo. Um processo eleitoral é uma discussão de ideias em que um não concorda com o outro e isso pode ser encarado como mentira ou calúnia.

São três casos específicos em que preservar o artigo 19, com ajustes e melhoramentos, é a melhor maneira e é crítico para que a gente possa proteger a democracia, a liberdade de expressão e ter um arcabouço legal onde, repito, a Justiça, e não as plataformas, define o que deve ser publicado.

No voto do ministro Dias Toffoli, ele afirma que valeria a regra de direito de resposta para os sites das empresas de comunicação. Isso funciona como uma proteção para o jornalismo?

O ambiente digital é muito diferente de uma empresa de mídia, onde o conteúdo vai ao ar apenas uma vez ou algumas vezes, e não tem o volume e as características das empresas digitais. Dentro do ambiente digital, temos os veículos tradicionais e também outras vozes que trazem opiniões sobre diversos assuntos.

Estamos falando de jornalistas, mas também de humoristas, de ativistas e outros, que podem ter seu discurso cerceado sem passar por uma decisão judicial. Esse conteúdo vai ter que ser removido a partir de uma mera notificação.

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Pesquisa recente da Nexus aponta que 78% dos brasileiros acreditam que as redes sociais precisam ser responsabilizadas pelo que publicam. É uma evidência de que as pessoas não se sentem seguras e que o modelo atual não é suficiente. Na sua avaliação, o que deveria mudar?

Nós não somos uma rede social. O Google tem várias plataformas que servem a praticamente todos brasileiros: o buscador, o Youtube etc. Eu prefiro me concentrar nas nossas plataformas.

O Google, então, estaria disposto a ser mais responsável por conteúdos que estimulam crimes graves como suicídio, exploração de menores e atentado ao Estado democrático de direito? Nestes casos, a remoção tem que ser feita antes da decisão judicial?

Nós apoiamos melhoramentos do artigo 19 com exceções para remoções extrajudiciais em crimes graves como exploração de crianças, terrorismo. Mas não pode ser algo sem ter uma estrutura claramente definida. A resposta é um sim e isso já é parte das nossas plataformas. Não só remover, mas evitar que esses conteúdos cheguem às nossas plataformas.

Os conteúdos de ódio viralizam mais. Regras mais duras, que retirem esses conteúdos, vão afetar a lucratividade das plataformas?

Não. Estou sendo franco e direto. Ao contrário. Nós já trabalhamos a remoção de discurso de ódio. E agora estamos utilizando inteligência artificial para isso. Nossas soluções vão melhorar ainda mais. A remoção do discurso de ódio é algo que a gente já faz.

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As plataformas estão dando treinamento em um seminário do PL, partido de Jair Bolsonaro. Nos Estados Unidos, alguns de seus donos apoiam o governo Trump. Existe uma ligação das plataformas com a extrema direita?

O Google é apolítico e apartidário. Eu sou apolítico e apartidário representando a companhia. Em Brasília, nós conversamos com todo mundo. Respeito passa por engajar com políticos de todos os espectros e entender que temos que trabalhar para que o ambiente digital continue evoluindo.

Eu não posso falar por outras empresas. Eu posso falar pelo Google no Brasil. Sou membro do Conselhão [Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável] há mais de uma década e trabalhei com diversos presidentes do nosso país: Michel Temer, Dilma Rousseff. Levamos a presidente Dilma para a Califórnia.

Promovemos atividades para todos os espectros políticos. Treinamos o PT, o MDB, o PSB, o bloco de liderança do governo, o Podemos, o Novo, o PDT, o PV. Faz parte do nosso trabalho. No ano passado, treinamos mais de 2.000 pessoas.

Nós não patrocinamos eventos políticos, trabalhamos com todos os partidos, somos neutros e queremos trabalhar pelo Brasil.

A Casa Branca editou um decreto para cancelar o visto de autoridades que obriguem empresas americanas a tomar decisões consideradas lesivas à liberdade de expressão. Na sua avaliação, algumas decisões do STF violam a liberdade da expressão e justificariam sanções?

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Como presidente da operação brasileira do Google, eu prefiro apenas comentar temas que tratem do nosso dia a dia.

Ao mesmo tempo em que o STF discute o Marco Civil da Internet, o governo tenta retomar o projeto de lei das fake news no Congresso. Você vê espaço para retomar essa discussão com os parlamentares?

Sou presidente do Google há 14 anos. A gente busca soluções que melhorem a vida das empresas, dos cidadãos, e isso se constrói com diálogo com Senado, Câmara. Tudo que a gente levou até agora foi para ajudar as autoridades a tomar decisões com todas as suas complexidades.

Nesse momento, eu vejo com bons olhos o projeto de lei para regulamentar a inteligência artificial e construir um arcabouço para que empresas invistam no Brasil. Hoje deveríamos focar nossa energia nos melhoramentos cirúrgicos no artigo 19 do marco civil e no projeto de lei de inteligência artificial.

São dois projetos de lei diferentes. O que você está dizendo é que, na sua visão, é melhor focar no PL de inteligência artificial ao invés de voltar a discutir o PL das fake news?

Essa discussão de fake news está ligada a essa reforma do artigo 19 do marco civil (no STF). E a resposta mais simples é sim. Eu colocaria mais energia no projeto de lei de inteligência artificial.

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O projeto de lei de inteligência artificial prevê remunerar os donos dos dados usados para treinar a inteligência artificial. O Google está disposto a pagar isso? Se sim, como?

Os nossos modelos de linguagem são treinados com informações disponíveis na internet e indexáveis. Se tiver que remunerar todo mundo, não sabemos nem como isso pode ser feito. Isso pode ser inexequível. Se tiver conteúdo de muitas empresas e tivermos que remunerar todos, vamos ter que avaliar quais conteúdos vamos utilizar. E aí, ao invés de utilizar várias fontes, vamos usar apenas algumas.

O Google está completando 20 anos de Brasil. Esse é o momento mais turbulento já enfrentado pela empresa em termos de regulação?

O Brasil é um mercado excepcional porque os brasileiros são ávidos usuários das nossas plataformas. Existe uma história de amor entre o Brasil e o Google. Nesses 20 anos, nós sempre tivemos um diálogo aberto e colaboramos com as autoridades locais.

Desde quando o Google Brasil nasceu, em Belo Horizonte, fruto do talento e genialidade de brasileiros ali, que fizeram com que depois [o Google] se expandisse para uma área de negócios em São Paulo, temos muito orgulho do nosso trabalho.

O Brasil é uma casa de inovação. Nós aceleramos 450 startups no Brasil. Tem produtos feitos em Belo Horizonte —e o último foi para o Android sobre roubo de celulares, que vão para o mundo inteiro.

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Não é à toa que a marca do Google é conhecida, que a empresa está sempre no topo das melhores para se trabalhar.

Dependendo da evolução das regras no Brasil, existe algum risco para a permanência do Google no país?

Não sou eu que tomo essas decisões dentro da empresa. O que posso repetir de maneira enfática é que não temos lado no Brasil e que trabalhamos com todos os espectros políticos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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