Leonardo Sakamoto

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Opinião

Netanyahu e a arte da sobrevivência política às custas do sangue alheio

O ataque de Israel contra o Irã, justificado como uma ação necessária para conter a ameaça nuclear, é também mais uma jogada do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disposto a incendiar o Oriente Médio e o mundo para salvar sua própria pele.

Netanyahu não é um estadista preocupado com a segurança de Israel. É um sobrevivente político que, diante do colapso de sua popularidade e do crescente repúdio internacional pelos mais de 55 mil palestinos mortos em Gaza desde outubro de 2023, decidiu apostar em uma escalada bélica como forma de reunir apoio doméstico, desviar a atenção de seus fracassos e permanecer no poder.

Até porque a cadeia o espera caso perca o cargo devido às acusações de corrupção, os ataques ao Poder Judiciário, à incompetência diante do atentado terrorista do Hamas. Em dias normais, quando o Irã não ilumina o céu de Tel Aviv de mísseis balísticos como retaliação, a população protesta contra Netanyahu nas ruas da capital, pedindo a volta dos reféns.

A estratégia é clássica: em momentos de crise interna, líderes autoritários buscam inimigos externos. E Netanyahu, que teve recentemente seu governo na berlinda, contando com o apoio dos ultraconservadores para continuar no poder, voltou a escolher o Irã. Se conseguir interromper o programa nuclear do país dos aiatolás, pode ganhar as eleições no ano que vem. O custo disso são mais vidas no Oriente Médio, inclusive de israelenses.

Em Gaza, cidades inteiras foram reduzidas a escombros, hospitais e escolas foram bombardeados, famílias exterminadas. O mundo assiste, horrorizado, a um genocídio, enquanto o gabinete de Netanyahu insiste em uma vitória total que virá com os palestinos sendo empurrados para fora de sua terra.

Mas a carnificina em Gaza já não basta para sustentar seu governo. A opinião pública israelense, inicialmente unida pelo trauma do ataque do Hamas, questiona a competência de um primeiro-ministro que falhou em prevenir a maior tragédia da história recente de Israel e, desde então, só aprofundou a crise. Seu gabinete é um ajuntamento de extremistas e oportunistas, seu partido está corroído por denúncias de corrupção, e sua credibilidade vale muito pouco.

Foi nesse contexto que ele decidiu atacar o Irã de forma preventiva. Vendo uma oportunidade, com o inimigo enfraquecido, e usando a justificativa de que o país estava desrespeitando os acordos sobre o tema. Questiona-se, contudo, se Teerã representava uma ameaça iminente. Enquanto o mundo discute isso, ele usa o show pirotécnico para se apresentar como o único capaz de enfrentar os perigos externos, enquanto esconde que foi justamente sua política belicista e sua negligência com a diplomacia que ajudaram a empurrar Israel a essa situação.

O ataque israelense matou comandantes da Guarda Revolucionária do Irã, atingiu instalações nucleares e prometeu decapitar a capacidade militar iraniana. O Irã já anunciou que vai continuar retaliando, e a região está à beira de uma guerra generalizada - uma que pode arrastar os Estados Unidos, já que Trump, em sua habitual incoerência, oscila entre negociar com Teerã e apoiar tacitamente a escalada israelense.

Enquanto isso, os civis pagarão o preço. Israelenses sob o risco de mísseis, iranianos sob bombardeios e palestinos, esses, sempre os mais lascados, continuarão sendo soterrados sob escombros em Gaza, onde a máquina de morte de Netanyahu funciona sem freios de um mundo que assiste tudo passivamente. No máximo, fazendo beicinho de reprovação.

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O primeiro-ministro israelense não age por estratégia de defesa, mas por estratégia de sobrevivência. Ele sabe que, se as guerras acabarem, seu governo cairá. Sabe que, se as atenções se voltarem para suas falhas, será cobrado. Sabe que, se o foco deixar de ser o "inimigo externo", a população lembrará que ele é uma ameaça à segurança de Israel.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL