Carlos Madeiro

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Reportagem

Aluna branca é condenada a ressarcir mensalidades por fraudar cota em SE

Uma aluna da UFS (Universidade Federal de Sergipe) foi condenada a pagar mensalidades equivalentes ao custo dos 2 anos e meio em que cursou psicologia na instituição por ter ingressado mediante fraude à cota racial, já que é uma branca e se autodeclarou parda.

A decisão é do TRF-5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região) e confirmou a sentença em primeira instância do juiz Kleiton Alves Ferreira, da 9ª Vara Federal de Sergipe. A certidão de trânsito em julgado (sem chance de recursos) foi expedida no último dia 27 de maio.

Para cada mês cursado, ela terá de pagar R$ 800, preço médio cobrado por uma faculdade privada no estado. O cálculo do valor exato com correção monetária será feito em breve com a liquidação da sentença. A estudante também terá de pagar indenização por danos morais coletivos de R$ 5.000.

A ação

A ação civil pública é do MPF (Ministério Público Federal) e de autoria da procuradora Regional dos Direitos do Cidadão em Sergipe, Martha Carvalho Dias de Figueiredo. Ela foi impetrada em 13 de setembro de 2022 contra a aluna e contra a UFS.

A denúncia aponta que a estudante foi aprovada no SiSU (Sistema de Seleção Unificada) e começou a estudar em outubro de 2020 e ficou até março de 2023, quando —já processada— pediu desligamento. Nesse período, a instituição foi omissa, na ótica do MPF, que também a levou a ser condenada.

À época de sua entrada, a UFS não tinha comissão de heteroidentificação e apenas a autodeclaração era levada em conta —o que mudou anos depois.

A autodeclaração feita pela ré não é suficiente para conduzir à conclusão de que tenha agido de boa-fé, nem tampouco afasta a ilegalidade de ocupar uma vaga destinada a pessoa com características fenotípicas que o demandada evidentemente não tem. No caso dos autos, não há indicativo de equívoco flagrante das conclusões da comissão de heteroidentificação, tendo em vista as fotografias juntadas aos autos juntamente com a inicial, que não denotam características fenotípicas da população negra, seja como pessoa preta ou parda.
Sentença de Kleiton Alves Ferreira

No mesmo ano que largou psicologia, a estudante ingressou no curso de publicidade e propaganda da mesma UFS, mas aprovada desta vez por meio do sistema de ampla concorrência.

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Comissão reprovou

A UFS chegou a fazer uma banca de heteroidentificação, em 27 de outubro de 2021, para comprovar se a aluna era ou não negra. Por unanimidade, decidiu que ela não se enquadrava nos requisitos.

Resultado da comissão de heteroidentificação da UFS
Resultado da comissão de heteroidentificação da UFS Imagem: Reprodução

A jovem recorreu da decisão da banca argumentando que "havendo dúvida quanto à definição do grupo racial do candidato pela comissão, deve prevalecer a presunção de veracidade da autodeclaração".

Assim, se deve saber que a análise de heteroidentificação não é uma ciência exata, sendo uma análise subjetiva, o que merece grande atenção para os aspectos técnicos de uma gravação (o que deve ser levado em conta para o parecer da banca avaliadora), como a luminosidade no momento da filmagem, a calibragem dos sensores de captação da imagem.
Estudante em sua defesa

Em 18 de novembro daquele ano, a comissão recursal da banca negou o recurso e concluiu que a aluna "não reúne as características fenotípicas que qualificam pessoas pretas e pardas".

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O MPF classificou como "inércia" a UFS ignorar o veredito da comissão. Por isso, a UFS foi condenada na ação e terá de abrir uma vaga extra para alunos cotistas na próxima seleção de psicologia.

Defesa nega má-fé

Em contestação de sua defesa, a estudante afirmou que "entende e se identifica como parda" e alegou que o pedido do MPF era "manifestamente incoerente" já que "jamais agiu baseada em má-fé".

"Ao contrário, inscreveu-se na condição de cotista, pois se considera de cor parda, e a sociedade a vê desta maneira, sempre se identificando desta forma, consoante documentos anexos a esta peça processual", diz a defesa.

A UFS apenas decidiu impor a Banca na instituição após recomendação do MPF em 2020. Isso significa que a Instituição de ensino, foi negligente e irresponsável durante todo esse tempo, pois nunca submeteu os alunos à validação da autodeclaração feita no momento da matrícula. A requerente compareceu presencialmente na instituição para validar as afirmações dadas na matrícula, apresentando os documentos solicitados e ficando frente a frente com o servidor (com fé pública), e em nenhum momento nenhuma das condições foram questionadas.
Defesa de estudante

Fraudes em massa

A procuradora explica que casos de fraudes foram conhecidos ainda em junho de 2020, quando o MPF teve acesso a denúncias de desrespeito às cotas raciais através de uma conta no antigo Twitter (hoje "X") denominada "Fraudadores de Sergipe - UFS e IFS". Essa conta foi desativada.

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Para a Justiça, a UFS "falhou no exercício de seu dever de fiscalizar as cotas raciais", mesmo depois de "receber mais de 180 denúncias de fraude".

Não há dúvida que a mora da UFS, em adotar medidas para apurar as manifestas fraudes, comprometeu a política pública de cotas, baseada em ação afirmativa, de reparação histórica a um segmento da sociedade, outrora excluído do processo civilizatório da sociedade brasileira, e não integrado ao contexto social, com as mesmas oportunidades dispensadas aos demais integrantes do corpo social.
Sentença de Kleiton Alves Ferreira

Reitoria da UFS
Reitoria da UFS Imagem: Adilson Andrade/Ascom UFS

UFS muda após casos

Em nota ao UOL, a UFS reafirmou seu "compromisso com as ações afirmativas e a integridade do sistema de cotas raciais" como "instrumento fundamental de inclusão social e ruptura de padrões elitistas".

A instituição afirma que ações institucionais recentes ajudaram a combater irregularidade, entre elas:

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  • Reorganização das comissões de Heteroidentificação, que atuam nos vestibulares presenciais, EAD, pós-graduação e em casos de denúncia de fraude. "O objetivo é estabelecer fluxos mais claros e ágeis para apurar suspeitas de irregularidades, garantindo sempre o contraditório e a ampla defesa".
  • Apoio institucional do Centro de Ações Afirmativas e Inclusão e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas. "Esses órgãos participam da supervisão das bancas de heteroidentificação e da formação da comunidade acadêmica sobre diversidade, garantindo representação qualificada de docentes, estudantes e sociedade civil".
  • Compromisso explícito de diálogo com os movimentos negros sergipanos e de promoção de ações concretas de reparação histórica.
  • Criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assuntos Estudantis (Proae), "refletindo a incorporação explícita das pautas afirmativas e de acessibilidade como prioridades institucionais".

A UFS reforça continuamente seu compromisso com a capacitação em questões étnico-raciais e a construção de ambientes acadêmicos inclusivos, com a realização de cursos de formação sobre antirracismo, acessibilidade e diversidade para servidores e estudantes, integrados a treinamentos obrigatórios.
UFS

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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